segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Cuidados Paliativos e Eutanásia: Que rumo tomar? - Artigo de Opinião

Tânia Silva, Gerontóloga (tania.silva@ua.pt)
Ana Martins, Gerontóloga (ana.martins.gerontologia@gmail.com)
RESUMO
A prática de uma medicina paliativa surgiu com a necessidade de um modo específico de cuidar perante doentes em estado terminal, que já não mais beneficiavam de qualquer resposta de uma medicina curativa. Tornada como uma prática cada vez mais corrente, onde a inovação dos cuidados caminha, lado a lado, para a humanização de cuidados, a medicina paliativa, com a criação de unidades de cuidados paliativos, foi abrindo novos horizontes para uma interdisciplinaridade entre profissionais, um controlo da dor e sintomatologia dos doentes, com o devido apoio psicológico, espiritual e emocional, proporcionando assim uma melhor qualidade de vida para doentes e suas famílias.
Contudo, esta prática arrasta consigo algumas questões éticas nomeadamente, quanto ao respeito pela dignidade humana perante doentes terminais que já não mais respondem à terapêutica.

A. INTRODUÇÃO

Todo o doente fora de qualquer possibilidade terapêutica de cura, não somente na fase terminal, mas durante todo o percurso da doença, apresenta fragilidades e limitações quer de natureza física, psicológica, social e espiritual, como Ser holístico que é. Trata-se de situações para as quais não estamos suficientemente preparados, quer em habilitações académicas, quer pessoalmente, pois o nosso “agir” é impedido por uma ciência sem recursos para deter a doença e o seu progresso, surgindo nos cuidadores o sentimento de “falhanço”. Esta luta constante para adiar a morte, prolongando a vida traz, com isto, muitas questões éticas, essencialmente sobre a qualidade de vida dos doentes e os cuidados a ter quando não há uma cura para a doença. A possibilidade de intervir no ciclo da vida acelerando ou prolongando o momento da morte é, talvez, uma das questões mais centrais da ética aplicada em saúde, sendo o Juramento de Hipócrates, uma das referências éticas mais antigas. A medicina foi tornando a morte medicalizada, sendo privada da sua especificidade e o doente terminal da sua liberdade enquanto indivíduo responsável. Este último foi, assim, reduzido a um “objecto manipulado” (cit. in. Urbain, 1997, p.390), perdendo o seu estatuto particular e individual, direitos, deveres e poderes prestigiantes. Surgiu, assim, a necessidade de um modo específico de cuidar, não jamais para a dupla “ cura” e “doença” mas para a inovação de cuidados ao doente com uma morte anunciada, aos quais chamamos cuidados paliativos. Neste período, os médicos e outros profissionais de saúde são chamados a desenvolver um aspecto muito delicado da sua actividade profissional, que não é a prática de uma medicina curativa, mas de uma medicina de acompanhamento quer ao doente quer aos seus próximos (“medicina paliativa”) (cit. in. CNECV, 1995, p.1). Esses cuidados, também denominados como cuidados em fim de vida surgiram, inicialmente, para atender aos doentes com cancro avançado, alargando-se a todos os doentes com alguma doença que cause dor intensa, além dos típicos sintomas físicos, sofrimento emocional e espiritual profundos, que tornem a vida extremamente insuportável e desconfortável. A Organização Mundial de Saúde (OMS) citada por Freitas [et al.] (2006, p.1080), definiu os cuidados paliativos como sendo os “cuidados totais activos, prestados a pacientes com doença incurável, progressiva e irreversível, que não respondem a qualquer tratamento curativo, sendo fundamental o controlo da dor, de outros sintomas físicos e de problemas psicológicos, sociais e espirituais”.
O tema em análise foi escolhido em decorrência da sua relevância na actualidade pois, mesmo com toda tecnologia disponível e aplicada no sentido de curar, ou prolongar a vida, encontramos uma diversidade de doentes que já não beneficiam com essa medicina avançada e que carecem de cuidados de acompanhamento. Portanto, não se beneficiando da cura, só lhes resta receber um cuidar baseado na filosofia de cuidados paliativos, que assumem extrema importância na área da saúde. Abordando definições e critérios éticos relativos aos cuidados paliativos e à eutanásia, e debatendo os pontos de vista culturais e médicos, temos assim como pilares estruturantes deste artigo a caracterização dos cuidados paliativos (definição, objectivos e princípios), direitos do doente terminal, caracterização da eutanásia (definições, tipologias e pedidos de eutanásia), considerações deontológicos dos profissionais de saúde e, por fim, considerações éticas que nos são contrapostas perante o doente em estado terminal.

B. DESENVOLVIMENTO
A medicina científica estabeleceu como critérios-base a possibilidade do profissional de saúde salvar mais vidas, criando inevitavelmente complexos dilemas éticos que permitem maiores limitações para a definição exacta de fim da existência humana. Além disso, o aumento da eficácia e a segurança das novas modalidades terapêuticas motivam e interrogam quanto aos aspectos económicos, éticos e legais resultantes do emprego exacerbado de tais medidas e das possíveis consequências da sua aplicação inadequada. O cenário da morte e a situação do doente terminal são as condições que criam maiores conflitos neste contexto, levando em conta os princípios, às vezes antagónicos, da preservação da vida e do alívio do sofrimento. O sofrimento no final da vida diante da medicalização da morte e do poder que as novas tecnologias oferecem aos profissionais de saúde, faz com que o doente terminal vá perdendo, progressivamente, a sua autonomia, capacidade deliberativa, individualidade, e o seu poder de decisão e controlo da situação, acabando por morrer só, isolado num quarto (VIEGAS, 1995).
A cada dia que passa, maior é a exigência de que é possível uma morte digna e maior é a possibilidade de actuação da família face ao direito de decidir sobre o destino dos seus doentes, torturados pelo sofrimento. O médico vai sendo influenciado a seguir os passos dos moribundos e a agir com mais espírito de compaixão, orientado por uma nova ética fundada em princípios e preocupada em entender as dificuldades do final da vida humana; uma ética necessária para suprir uma tecnologia dispensável. Neste instante, é possível que a medicina venha a rever o seu ideal e as suas possibilidades, tendo a "humildade" de não tentar "vencer o invencível".
O avanço biomédico, em especial das técnicas paliativas, foi assim trazendo para o debate não apenas a discussão sobre a existência ou não de um suposto direito a eleger o momento e o local da morte, mas também temas como os tratamentos extraordinários que podem estender indefinidamente a vida, impedindo que as pessoas efectivamente morram com dignidade (DINIZ e COSTA, 2004).

1. CUIDADOS PALIATIVOS E DOENÇA TERMINAL
O conceito de cuidados paliativos surgiu quando se verificou um aumento de situações incuráveis em fase avançada e progressiva da doença, vistas como fracassos da medicina e para as quais as respostas dos serviços de saúde existentes não estavam bem preparadas e os cuidados prestados visavam a cura, em detrimento do conforto e qualidade de vida daqueles que sofriam. Surgiu, assim a necessidade da criação de serviços específicos, com profissionais preparados e humanizados, onde se valoriza e se promove, tanto quanto possível e até ao fim, a qualidade de vida, o bem-estar e o controlo do sofrimento. Estes podem ser proporcionados em qualquer contexto, inclusive no domicílio do doente, num centro de cuidados ou num hospital, acompanhado dos membros que os tornam pessoas “sãs” num corpo moribundo (PROGRAMA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2005).

1.1 CARACTERIZAÇÃO DOS CUIDADOS PALIATIVOS
A história da medicina paliativa remonta à década de 60 do século XX em Londres com a construção do St. Christopher’s Hospice fundado por Cecily Saunder’s (FREITAS [et al.], 2006). A partir de então as pessoas com doença em fase terminal passaram a ter um espaço próprio onde encontravam resposta para as suas necessidades com acompanhamento familiar.
Etimologicamente, o termo “paliativo” deriva da palavra latina pallium que significa manto, capa (TWYCROSS, 2003). Hennezel (2002) afirma que em cuidados paliativos não se trata de encobrir o sofrimento, escondê-lo, mas sim amparar o doente com um manto de calor humano e ternura para que esse sofrimento seja suavizado. Já Twycross (2003, p.16) traz-nos uma definição de cuidados paliativos como sendo os “cuidados activos e totais aos pacientes com doenças que constituam risco de vida, e suas famílias, realizados por uma equipa multidisciplinar, num momento em que a doença do paciente já não responde aos tratamentos curativos ou que prolongam a vida” significando, portanto, reconhecer o momento de cessar a prestação de cuidados curativos para envergar pelos cuidados paliativos.
Em Portugal, a Direcção Geral da Saúde (DGS), atendendo às recomendações da OMS, criou em 2005 o Programa Nacional dos Cuidados Paliativos (PNCP), traçando como linha orientadora a garantia de uma melhor qualidade de vida aos doentes e às suas famílias, que devem ser activamente incorporadas na prestação de cuidados ao doente e alvo dos próprios cuidados durante a doença e o luto.
Os cuidados paliativos não vêm só revolucionar pelos benefícios suscitados aos doentes e pessoas próximas (o alívio dos sintomas do doente, assim como o apoio psicológico, espiritual e emocional) mas também a prática da medicina, apresentando e reforçando a necessidade da interdisciplinaridade dos distintos profissionais que contactam directa ou indirectamente com esta problemática (PNCP, 2005).
De acordo com o PNCP (2005, p.8-9) a prática desses cuidados assenta em princípios, tais como:
 Afirma a vida e encara a morte como um processo natural;
 Encara a doença como causa de sofrimento a minorar;
 Considera que o doente vale por quem é e que vale até ao fim;
 Reconhece e aceita em cada doente os seus próprios valores e prioridades;
 Considera que o sofrimento e o medo perante a morte são realidades humanas que podem ser médica e humanamente apoiadas;
 Considera que a fase final da vida pode encerrar momentos de reconciliação e de crescimento pessoal;
 Assenta na concepção central de que não se pode dispor da vida do ser humano, pelo que não antecipa nem atrasa a morte, repudiando a eutanásia, o suicídio assistido e a futilidade diagnóstica e terapêutica;
 Aborda de forma integrada o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual do doente;
 É baseada no acompanhamento, na humanidade, na compaixão, na disponibilidade e no rigor científico;
 Centra-se na procura do bem-estar do doente, ajudando-o a viver tão intensamente quanto possível até ao fim;
 Só é prestada quando o doente e a família a aceitam;
 Respeita o direito do doente escolher o local onde deseja viver e ser acompanhado no final da vida;
 É baseada na diferenciação e na interdisciplinaridade.
Os cuidados prestados têm como destinatários os doentes que não têm uma perspectiva de tratamento curativo, apresentam uma rápida progressão da patologia, com expectativa de vida limitadas, sofrimento intenso e apresentam problemas e necessidades de difícil resolução, que exigem um apoio específico, organizado e interdisciplinar (PNCP, 2005).
Outra inovação característica da medicina paliativa é a importância dada a dimensões humanas que antes não eram tidas em conta, tais como a dimensão espiritual. Esta não implica necessariamente uma dimensão religiosa mas uma explicação para o Ser humano, um entendimento de que está inserido em algo mais amplo que o simples quotidiano. Quanto mais satisfatória for a resposta que o indivíduo tem nessa busca espiritual, mais se sentirá tranquilo ao enfrentar a morte. Todo o Homem confrontado com a iminência da morte tende a colocar, a si mesmo, questões de ordem espiritual, nomeadamente o sentido da sua existência (HENNEZEL e LELOUP, 2001). Torna-se, portanto, necessário conhecer e respeitar esta interpretação que o doente terminal encara, sendo este um grande desafio para o profissional de saúde que o assiste.


1.2 DOENTE TERMINAL E DIREITOS

A pessoa em estado terminal, qualquer que seja a sua cultura, religião ou estilo de vida, tem como interesses principais o alívio da sua dor e de outros sintomas principais ou secundários à doença, a sua máxima intervenção nas decisões relativas ao cuidado a ser-lhe prestado enquanto personalidade autónoma, o cumprimento e respeito pelos seus desejos quando já não for capaz de participar na tomada de decisões, e o alívio de qualquer carga para a sua família e amigos.
Antes de analisarmos os direitos específicos do doente terminal surge, naturalmente, a necessidade de se definir doente terminal. Elena Suarez citada por Moreira (2001, p.34) vê o doente terminal numa perspectiva do esforço infrutuoso da medicina curativa no travar da morte, caracterizando-o como “la persona que sufre una enfermedad irreversible, cuya muerte se espera ocurra a pesar de todos los esfuerzos a nuestro alcance, es dicir, está en el processo final de su vida, vivendo de acuerdo a sus circunstancias individuales, familiares, socioculturales y las de su entorno”. Já Serrão, citado pela Ordem dos Enfermeiros (2003, p.91) faz uma análise dos doentes terminais mais numa perspectiva da medicina paliativa, afirmando que são “aqueles para quem a ciência e a tecnologia não têm meios para suspender a morte”. Das duas noções dadas pelos autores supra citados chegamos à conclusão que o doente terminal é aquele que se encontra numa fase final da doença avançada, progressiva e sem cura, e onde nenhum esforço médico é capaz de devolver a saúde física, havendo necessidade de se apostar numa área de alívio da dor e sofrimento.
Os direitos que aqui serão expostos são, antes de tudo, direitos fundamentais enquanto pessoas humanas, pois ser doente terminal, fragilizado e vulnerável pelos sentimentos e medos, não significa deixar de ser pessoa, de ser um cidadão integrado numa sociedade com direito de exercer as suas funções. Assim, esta reflexão visa essencialmente conferir uma “identidade” escondida por detrás de um corpo moribundo.
Segundo Pessini (1990) e Garcia Férez (1998) citados por Moreira (2001, p.39-40) os direitos dos doentes terminais são:
 Ser tratado como pessoa humana até ao fim da vida […];
 Receber uma atenção personalizada […];
 Participar nas decisões que dizem respeito aos cuidados […];
 Usar dos meios necessários para combater a dor […];
 […] ser informado de maneira gradual e respeitosa, sem que se aumentem as tensões e as angústias;
 Manter a sua hierarquia de valores e não ser descriminado pelo facto de as suas decisões poderem ser distintas das dos profissionais que o atendem;
 Manter e expressar a sua fé […] tem o direito ao entendimento das suas necessidades espirituais;
 Ser tratado por profissionais competentes, capacitados para a comunicação e que o possam ajudar a enfrentar a sua própria morte;
 Receber o consolo da família e amigos […];
 Morrer em paz e com dignidade […].
Os doentes terminais têm fundamentalmente os mesmos direitos que os outros doentes como enunciámos, nomeadamente a recusa de procedimentos mesmo quando estes simplesmente nada acrescentam diante da morte prevista, não devendo este facto influenciar a qualidade dos cuidados paliativos prestados. O mais importante é que os doentes tenham possibilidade a um grau máximo de respeito pela sua dignidade, ao melhor analgésico de dor disponível e ao alívio do sofrimento. Assim, partindo de uma perspectiva moral e ética, cuidar de uma pessoa em fim de vida pressupõe uma mudança de atitudes, que deve ser orientada no sentido do respeito pelos direitos da pessoa, garantidos por todos os profissionais de saúde.

2. EUTANÁSIA

2.1 DEFINIÇÃO DE EUTANÁSIA

O termo eutanásia foi proposto por Francis Bacon em 1623, como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis” (cit. in. REIRIZ [et. al.], 2006, p. 80). Etimologicamente, a palavra originou-se do grego eu, que significa “bom” e thanatos, que significa “morte” (MOREIRA, 2008). Significa, assim, a “boa morte”, sem sofrimento. No censo comum, esta já é reconhecida com um sentido mais negativo de “assassínio misericordioso” (cit. in. TWYCROSSC, 2003, p. 28).
Das diversas definições que podemos encontrar, podemos incluir a de Roy e Rapin citados por Twycross (2003, p. 28) “Pôr fim, de forma compassiva, deliberada, rápida e indolor à vida de alguém que sofre de uma doença progressiva e incurável. Se for realizada a pedido ou com o consentimento da pessoa, a eutanásia diz-se voluntária; caso contrário, diz-se não voluntária”. Esta definição vem ainda restringir mais o termo, de forma a negar, que permitir que a natureza siga o curso dito normal, suspender um tratamento biologicamente inútil ou um tratamento quando os malefícios que este acarreta ultrapassam os respectivos benefícios, utilizar morfina ou outras substâncias analgésicas para aliviar a dor, e utilizar sedativos para aliviar o sofrimento mental incurável de um doente terminal, não é eutanásia pois não constitui um deliberado apressar da morte, mas sim o cessar do prolongamento da morte por arrastamento. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida no Parecer sobre aspectos éticos dos cuidados de saúde relacionados com o final da vida - 11/CNECV/95, por sua vez, considera a eutanásia a “morte deliberada e intencional de uma pessoa, na sequência de pedido consciente desta, pelo profissional que acolheu o pedido e decidiu dar-lhe execução, distinguindo de suicídio assistido e de abstenção de terapêuticas inúteis ou daquelas que o doente recusa” (cit. in. Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, 2001, p. 1), denotando na eutanásia o carácter deliberativo e intencional com um pedido consciente do doente.

2.2 TIPOLOGIAS DE EUTANÁSIA
Segundo Reiriz [et al.] (2006), podemos caracterizar a eutanásia quanto ao tipo de acção e quanto ao consentimento do doente.

Quanto ao tipo de acção:
 Eutanásia activa: o agente administra uma qualquer substância capaz de provocar a morte repentina e indolor. Trata-se num acto deliberado de provocar a morte sem sofrimento do doente, por fins considerados misericordiosos.
 Eutanásia passiva: o agente deixa de prolongar, por meios artificiais e específicos, a vida do doente.
 Eutanásia do duplo efeito: o processo de morte é acelerado como sendo uma consequência indirecta das acções médicas, que são executadas visando o alívio do sofrimento do doente terminal.

Quanto ao consentimento do doente:
 Eutanásia voluntária: morte provocada atendendo ao pedido do doente.
 Eutanásia involuntária: morte provocada contra a vontade do doente.
 Eutanásia não voluntária: inexistência de qualquer manifestação de opinião do doente.

2.3 PEDIDOS DE EUTANÁSIA
Os pedidos de eutanásia não são invulgares, ao contrário do que se pensa. Estes, são mais um pedido para viver do que propriamente um pedido de auxílio para morrer, podendo não ser só comunicados de forma verbal, mas também de forma não verbal (TWYCROSS, 2003). Para tal, devemos estar atentos a esta problemática, ouvindo e procurando identificar as razões ocultas do pedido e estar preparados para dar as respostas necessárias, tanto as que venham ao encontro do cessar do sofrimento físico, como também do sofrimento existencial.
As razões destes pedidos variam desde a fase do estado terminal até à forma como o doente e a sua família vêem o processo de morrer e a perda progressiva da identidade existencial. Destacaremos assim algumas das razões (TWYCROSS, 2003, p.30-31) às quais devemos estar atentos:
 Dor intensa não aliviada ou complicações de carácter sintomático;
 Receio de dor intolerável futura ou de sofrimento ;
 Receio de deteorização lenta e progressiva;
 Receio de depender de máquinas e tubos para a manutenção da vida;
 Receio de uma qualidade de vida baixa;
 Perturbação de adaptação passageira à doença;
 Desmoralização, como desespero e sensação de desamparo;
 Depressão;
 Sentir-se um fardo para a família, amigos ou sociedade;
 Sensação de dependência dos outros;
 Sensação de perda do auto-controlo.

De todas as razões destacadas para um pedido de eutanásia é de destacar que são muito poucas aquelas que não se conseguem melhorar ou mesmo eliminar com os cuidados paliativos, conseguindo uma qualidade de vida, conforto e identidade imprescindível à pessoa humana. Para tal, é necessária uma avaliação multidisciplinar detalhada, intervindo nas possíveis razões, desde o tratamento específico para a depressão, ao alívio da dor através de uma abordagem de largo espectro (multimodal) com as substâncias certas, nas doses correctas e com os devidos intervalos. Assim, quando um doente está em estado terminal, o médico deve focalizar todos os seus esforços no alívio do sofrimento sendo a dor apenas uma das muitas componentes desencadeantes do sofrimento (WORLD MEDICAL ASSOCIATION, 1990).

2.4 DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA

Distanásia, ao contrário da eutanásia, pode ser entendida como uma obstinação terapêutica , que atenta para o prolongamento da vida com meios artificiais sem a preocupação de aliviar o sofrimento físico e/ou psicológico do doente terminal (REIRIZ [et al.], 2006). Prolonga assim a vida de um doente para além do tempo sem respeitar o direito do doente a uma morte digna e humana. Muitas vezes, é aplicada quando a presença da tecnologia necessária para retardar a morte é usada não com a consciência médica da distanásia, mas com a tentativa de “salvar” o doente da morte. Esta conduta médica nega o princípio ético da medicina da não-maleficência.
Já o termo ortotanásia tem sido utilizado como sinónimo de uma morte natural. Etimologicamente, é originada do grego orthós, normal, correcta e thánatos, morte (REIRIZ [et al.], 2006). Não se trata de suicídio ou homicídio eutanásico mas, como nos diz Gafo citado por Pessini (1996, p.1), uma “morte no seu tempo certo”, uma aceitação da condição humana frente ao processo de morrer, mediante a suspensão de tratamentos inúteis, os quais somente lhe trariam desconforto, sem um resultado prático na cura ou melhora da doença. A ortotanásia procura respeitar o bem-estar global das pessoas, defendendo a dignidade no processo de morte. Segundo Reiriz [et al.] (1996, p.81) “Permite ao doente fora de todas as possibilidades de cura, e aos seus familiares e amigos, aceitar a morte com certa tranquilidade, porque, nesta perspectiva, a morte não é uma doença a ser curada, mas o fim de um ciclo vital”.
Essa prática é, portanto, a actuação correcta diante da morte de um doente terminal, pois não apressa e nem prolonga o processo de morrer, mas proporciona condições de vida durante esse período, tentando aliviar todas as tipologias de sofrimento (físico, espiritual e emocional) e permitindo um maior contacto com as pessoas queridas do seu convívio a fim de proporcionar a despedida sem culpas e dúvidas.

4. CONSIDERAÇÕES ÉTICAS DA EUTANÁSIA EM CUIDADOS PALIATIVOS
Os dilemas que fazem das decisões em fim de vida um rico campo de reflexão sobre os princípios éticos e os valores em que se contextualiza a vida do doente, e as suas relações consigo e com o outro, invocam a importância da participação dos familiares e ainda de uma reorganização nos cuidados de saúde tendo em atenção a dor e o sofrimento perante o doente terminal, a recusa de tratamento e o pedido de eutanásia, futilidades terapêuticas ou mesmo a obstinação terapêutica.
Um aspecto a considerar, são os valores, os princípios éticos e os modelos de tomada de decisões, que ajudam a analisar as respostas, a partir de uma perspectiva ética.
Em cuidados paliativos, cuidar de uma pessoa em fim de vida não se coaduna com uma padronização teórica de cuidados mas sim com actos éticos. Aquele que cuida do doente terminal, não estabelece como principio o “curar”, mas sim puder promover o bem-estar, conforto e a qualidade de vida, proporcionando uma morte com dignidade.
A ética assume aqui extrema importância, por permitir o assegurar dos princípios da ética biomédica definidos por Beauchamp e Childress (2002):
Respeito pela autonomia: direito do doente tomar as suas decisões sobre os assuntos que lhe dizem respeito, caso este seja capaz ou tenha expresso o consentimento informado;
Não-maleficência: obrigação por parte dos profissionais de saúde de, acima de tudo, não provocar qualquer dano, minimizando o mal;
Beneficência: todas as intervenções deverão ser levadas a cabo se o doente beneficiar verdadeiramente, por meio da ponderação de benefícios, custos e riscos;
Justiça: obrigação de igualdade de tratamentos, da justa distribuição de verbas e do uso criterioso dos recursos disponíveis para a saúde.

a. Respeito pela autonomia do doente terminal
Os profissionais de saúde actuam muitas vezes como se os doentes terminais tivessem uma obrigação de aceitar o tratamento que lhes é recomendado. Contudo, legalmente a pessoa não é obrigada a aceitar o tratamento médico proposto, mesmo que essa recusa possa acelerar o processo de morte.
De acordo com o princípio da autonomia, os membros de uma equipa de cuidados paliativos devem respeitar a autonomia dos seus doentes, aceitar as suas prioridades e objectivos de vida estabelecidos, e informar de forma completa, autêntica, clara, sensível, “aberta ao outro” sobre as opções de tratamento, informações relativas às possibilidades terapêuticas e seus limites de acção, e delinear um plano de cuidados individual, sem nunca omitir informação relevante que o doente deseja receber, excepto casos de privilégio terapêutico onde a informação que seria dada ao doente poderia ser prejudicial ao seu bem-estar ou caso o doente não revele capacidade/competência. Salvo estes casos, é crucial atender às necessidades de informação sobre qualquer tratamento e respeitando a opção autónoma do doente, mesmo que ele opte por recusar o tratamento (SIMÕES, 2009).
Embora a análise da capacidade ou incapacidade do doente de tomar uma decisão de recusa de tratamento, admitir a autonomia em casos nos quais um tratamento poderia reverter uma patologia, acarretando benefício como a preservação da vida e a promoção da qualidade de vida, seria o mesmo que abandonar uma pessoa desequilibrada, que precisa de assistência e deixá-la morrer ou matar-se livremente, sob um argumento pouco convincente de que estaríamos a respeitar como pessoa humana, na sua dignidade e autonomia. Aqui, o benefício acrescido de um tratamento de preservação da vida ou alívio do sofrimento supera o princípio do respeito pela autonomia, embora com o aproximar do fim de vida, o alívio do sofrimento assuma uma maior importância, já que a preservação da vida vai-se tornando mais difícil (SIMÕES e MORGADO, 2005).
Por outro lado, mesmo com a informação revelada pelo profissional e do seu esclarecimento de forma moralmente correcta, o desejo de morrer pode surgir e este é, ao mesmo tempo, um desejo de repouso para o corpo biológico que não aguenta mais, e um desejo inconsciente de uma vida mais vasta, desejo de libertação, desejo de “descoberta do real” (cit. in. HENNEZEL, 2000, p.69). As pessoas que enredam pelo pedido da prática da eutanásia muitas vezes fazem-no quando, em intenso sofrimento, não são assistidas holísticamente pelos profissionais de saúde. Apesar de o médico ter direito à objecção de consciência, sempre que a atitude ou decisão do doente seja contrária aos seus princípios éticos, não nos podemos esquecer que uma pessoa em sofrimento pode muitas vezes clamar pela morte, numa atitude de desespero e desequilíbrio, pelas mais diversas razões, nomeadamente as já referidas.
Tal como a análise de um consentimento informado baseado no respeito pela autonomia, um pedido de eutanásia pelo doente deve ser igualmente colocado, tendo em conta a sua capacidade ou incapacidade de tomar uma decisão. Pode suceder que o doente, enquanto capaz, tenha concedido por declaração formal a outra pessoa o exercício de seus direitos, caso venha a tornar-se incapaz. Essa declaração pode ser anulada a qualquer momento, se o doente assim o desejar. Caso este se torne incapaz para tomar uma decisão, o profissional de saúde deverá assim seguir sequencialmente as directrizes éticas do modelo do julgamento substituto, do modelo da pura autonomia ou do modelo dos melhores interesses, para que lhe seja possível tomar uma decisão baseada no respeito pela autonomia e nos seus direitos (BEAUCHAMP e CHILDRESS, 2002, pp.195-207).

b. Princípio da Beneficência e Não-maleficência aplicado aos doentes terminais
A primeira de todas as regras de que se faz acompanhar a prática da medicina curativa é que haja uma esperança razoável de obtenção de cura ou melhoria do estado mórbido, com qualidade de vida e aceite pela pessoa doente, com ênfase no consentimento informado e nos princípios da beneficência e da não-maleficência no plano ético, e na rigorosa avaliação médica da situação clínica.
A possibilidade de cura de muitas doenças e a redução das nefastas consequências torna-se algo que nos tranquiliza enquanto profissionais de saúde e pessoas humanas. As técnicas de suporte avançado da função respiratória juntamente com as medidas de suporte cardiocirculatório, de equilíbrio hidroelectrólico e outras, permitem agora salvar a vida de pessoas, que estariam seguramente num processo irreversível de morte. Isto acarreta problemas éticos de legitimidade do limitar do esforço terapêutico, a partir do momento em que nos defrontamos com a inexistência de uma esperança razoável de cura, e as melhorias presumidas dependem de sacrifícios físicos, impostos à pessoa doente, e em que apesar do esforço terapêutico realizado, este não acarrete qualquer efeito benéfico, provocando um sofrimento desproporcional em relação aos pequenos e transitórios benefícios esperados. No caso de doentes terminais com uma expectativa de vida bastante curta e nos quais as intervenções já não acarretam qualquer benefício nem conforto ou as desvantagens superam os benefícios, as tecnologias de suporte como a hidratação e a nutrição artificiais podem ser eticamente recusadas, deixando a patologia seguir o seu curso natural, evitando-se a distanásia. O profissional de saúde deverá avaliar cuidadosamente os benefícios e o encargo do tratamento proposto (beneficência) e avaliar os riscos e benefícios (balanço custo-benefício) de cada decisão clínica (não-maleficência), de forma a evitar o tratamento fútil e inútil, a distanásia (PESSINI E BERTACHINI, 2005), que não se coaduna com os objectivos de prevenção de danos e alívio do sofrimento. É de se referenciar que este último, não é só obtido pela eliminação da dor física sendo, portanto, necessário intervir na “dor total”, conceito cunhado por Saunders, que expressa o medo da morte, a ansiedade da separação, a solidão, o lidar com inseguranças existenciais, o sentir-se um peso para os outros, que não pode ser tratada ou cuidada somente por meios técnico-científicos, passando para além da barreira física (PESSINI e BERTACHINI, 2005).
Twicross (2003) afirma que se as medidas para aliviar o sofrimento anteciparem a morte do doente, estas medidas são consideradas moral e legalmente aceites desde que a intenção do médico seja aliviar o seu sofrimento e não provocar a sua morte (regra do duplo efeito). O uso de medidas de alivio do sofrimento, nomeadamente da dor pela morfina, ultrapassam de longe os efeitos adversos, se em dose adequada e bem administrada. Ao proporcionar-se este alívio, os doentes vivem mais tempo com qualidade de vida, do que se continuassem desmoralizados pelo sofrimento. Assim, embora possa haver circunstâncias em que o risco seja maior, é incontestável que as medidas eficazes que possuam um risco menos elevado sejam as utilizadas.
Assim sendo, e considerando os princípios da ética biomédica, na opinião de Simões e Morgado (2005) devemos averiguar se um determinado procedimento apresenta benefícios potenciais para o doente e considerar também os seus riscos e malefícios potenciais. Se os malefícios se apresentarem com uma intensidade e magnitudes superiores aos potenciais benefícios, há que considerar a sua suspensão, atendendo à preservação da qualidade de vida do doente com o máximo conforto, de acordo com os princípios estabelecidos nos cuidados paliativos, de modo a evitar a insistência terapêutica e uma atitude agressiva por parte do profissional de saúde.
Os profissionais de saúde de uma unidade de cuidados paliativos deverão, portanto, interromper tratamentos que se tornaram claramente ineficazes segundo o melhor juízo clínico, recusando a obstinação terapêutica por ser uma má prática médica, mas utilizando todos os meios necessários para assegurar o conforto e bem-estar do doente, de modo que o processo de morte decorra com respeito pela dignidade da pessoa. Assim, quando estamos perante a suspensão de meios artificiais de manutenção da vida, estando o doente numa situação comprovada clinicamente, com a paragem total e irreversível das funções encefálicas, não estamos a falar de eutanásia, pois a morte, nestas condições, já ocorreu. Esta distinção entre o que é ou não eutanásia torna-se, não só do ponto de vista jurídico e ético, crucial para uma devida prática, pois exige que os critérios utilizados de diagnóstico de morte do tronco cerebral sejam descritos e rigorosamente cumpridos.

c. Princípio da Justiça aplicado aos doentes terminais
A justiça é aqui considerada como uma “ […] justa distribuição de recursos da sociedade” (cit. in. SERRÃO e NUNES, 1998, p.15). O princípio da justiça implica conceitos como a dignidade, a consideração, o respeito e a igualdade/imparcialidade. Este último conceito diz respeito ao acesso do doente terminal a um adequado tratamento médico e a uma distribuição equitativa dos recursos disponíveis de tratamento. Surgem aqui, múltiplas questões éticas implícitas neste princípio, quando as verbas para a saúde são escassas. Podemos também referir, que este princípio questiona-se quanto à tomada de decisão de suspensão ou não de um tratamento para prolongar a vida, face ao elevado custo que este tratamento acarreta (SIMÕES, 2009).

Em todos os princípios mencionados, há um constante conflito entre eles, perante situações específicas, nomeadamente entre o princípio do respeito pela autonomia e a beneficência. Há também um conflito de valores, em que os principais valores em causa são da vida humana, da autonomia da pessoa e o princípio da beneficência.
Verifica-se, por parte do doente terminal, a sobrevalorização do valor da autonomia em proveito da desvalorização do valor da vida e por parte do profissional de saúde, a renegação do primado da natureza da profissão – o princípio da beneficência (MOREIRA, 2001). Em saúde torna-se fundamental existir decisões com o mínimo de ponderação ética.
De acordo com Simões e Morgado (2005) estes quatro princípios deverão ser aplicados no âmbito do respeito pela vida e da aceitação da inevitabilidade da morte.

C. DISCUSSÃO
Os profissionais de saúde têm-se vindo a defrontar com questões éticas já muito discutidas mas sem grande consenso, que dizem respeito ao sentido que é atribuído aos últimos momentos da vida. As decisões médicas tomadas no âmbito da medicina paliativa têm um suporte científico mas possuem, principalmente, uma significativa estrutura ética. Faz parte das responsabilidades dos profissionais de saúde reflectirem sobre as suas acções, nomeadamente em situações que envolvam doentes em fase terminal, pois deparam-se com complexos dilemas éticos que envolvem o respeito pela vida e a aceitação de uma morte inevitável. O sentido ético da morte está presente a partir do momento em que cada um de nós toma consciência de que a sua “morte anunciada” se aproxima dia após dia, sem que possamos escapar, sem que possamos continuar a projectar os nossos objectivos de vida.
A actual actuação médica é fundamentada em dois grandes pilares morais: a preservação da vida e o alívio do sofrimento. Estes dois princípios complementam-se na maior parte das vezes. Mas, quando estamos perante um doente fora de todas as possibilidades de cura não podemos actuar traçando objectivos como a preservação da vida por um tempo indeterminado ou a ser determinado. É, portanto fundamental, que se avalie as variadas dimensões enquanto pessoa, considerando a dignidade humana, a história de vida, mas também todo um manancial de questões éticas suscitadas nos cuidados paliativos, de forma a uma melhor acção ética e moralmente aceitável.
Os cuidados paliativos acreditam que, assim como a vida, a morte é um momento a respeitar que deve ser direccionado pela própria natureza, que sabe o momento exacto da finitude da vida. A morte deve ser um acto natural e, portanto, não influenciada por meios tecnológicos e, muitas vezes, traumáticos.
A ortotanásia é, assim, na nossa visão, uma alternativa viável entre a eutanásia e a distanásia, pois oferece ao doente as condições necessárias para a adaptação ao término da vida, preparando-o para partir sem sofrimento e com conforto, preservando o direito e o dever de aliviar todos as componentes do sofrimento, preservando a autonomia e praticando o que Juramento Hipocrático revela: “Usarei meu poder para ajudar os doentes com o melhor de minha habilidade e julgamento; abster-me-ei de causar danos ou de enganar a qualquer homem com ele” (cit. in. REIRIZ et al., 2006, p.82).

D. CONCLUSÃO
Após esta reflexão sobre a temática dos cuidados paliativos, ética no final da vida e confrontando com os diversos relatos de pedidos de eutanásia, podemos concluir que se torna urgente tomar consciência das nossas acções e suas implicações. Porque somos pessoas que lidamos com pessoas, temos receio de falhar e porque encontramos sempre no outro alguém que nos é próximo ou encontramo-nos a nós próprios na nossa súbita e imprevisível vulnerabilidade. Os outros são em nós o espelho da nossa própria morte, dos nossos medos mas também dos nossos desejos e direitos. Na impossibilidade de escolher como morrer, resta-nos escolher o modo como queremos viver a nossa morte. Parte de todos reflectir hoje a sua morte de amanhã. Faz parte das nossas funções, quer profissionais de saúde quer familiares, ajudar a viver os doentes até à morte, considerando fulcral a dignidade e qualidade de vida. Devemos oferecer-lhes os nossos melhores cuidados, baseados no conforto, no carinho e no acompanhamento.
Parte de reflexões de temáticas tão actuais e tão complexas, a iniciativa de “semear” cada vez mais a necessidade dos cuidados paliativos, trazendo ao doente terminal e à sua família uma ressocialização da morte, sem tabus, nem medos, mas com naturalidade, dignidade e unicidade. Hellegers, citado por Pessini (1996, p.9), afirma que “Perto do fim da vida, uma pretensa cura significa simplesmente a troca de uma maneira de morrer por outra […] cada vez mais, nossas tarefas serão de acrescentar vida aos anos a serem vividos e não acrescentar anos à nossa vida […] mais atenção ao doente e menos à cura em si mesma […]. Nossos problemas serão cada vez mais éticos e menos técnicos”. Aqui está inerente a tão desejada aceitação da condição humana frente ao processo de morte, mediante a suspensão de tratamentos inúteis, os quais somente lhe acarretariam uma “agonia programada” (cit. in. PESSINI, 1996, p.9).
Os profissionais de saúde e todos os que prestam cuidados ao doente terminal, apesar de ainda não estarem suficientemente preparados para uma prática de uma medicina paliativa, vão avançando por este “caminho”, uma vez que não se pode curar mas cuidar, acompanhar e aliviar. O controlo da dor, o acompanhamento psicológico, humano e espiritual dos doentes terminais compete aos profissionais de saúde e são tão nobres e essenciais como as intervenções terapêuticas por eles efectuadas. O crescente interesse para uma maior e melhor qualidade de vida dos doentes terminais tem que ser, portanto, uma constante para toda uma reformulação de práticas e princípios.

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